Thursday, April 12, 2018

O Brasileiro é uma Avenida Rio Branco.



O "bota-abaixo" que eu vi. E que eu não vi.

Lembro dos anos de 2013 e 2014, quando eu pegava ônibus para descer na Avenida Rio Branco, para depois ir andando até uma antiga empresa em que trabalhei.
Ônibus estes vindos da zona norte da cidade.
Eu sentava no acento junto à janela, do lado esquerdo do carro, para observar as obras feitas na pista sentido Avenida Presidente Vargas. Não para observar as novas pavimentações ou colocação dos trilhos do VLT (Veículo leve sobre trilhos) que estavam a ser implantados. Antes disso.
Mas sim para observar as escavações feitas por operários da empreiteira e durante um tempo, sem progredir a obra em longos trechos porque haviam encontrado um sítio arqueológico.
Encontraram diversos resquícios de fundações de casas muito antigas (que hoje teriam entre 200 e 300 anos de construídas) que eu sabia que foram de residências demolidas para a construção da Avenida central (atual rio branco), lá no início do século XX.
Sob a intervenção e desejo do Prefeito Francisco pereira Passos (mandato entre 1902 e 1906), sob o desejo de "embelezar" e transformar a Cidade do Rio de Janeiro numa "Paris dos trópicos",entrou em ação o plano que ficou conhecido como o "bota abaixo", onde cerca de 1.700 imóveis foram desocupados e demolidos, fazendo com que a maioria da população, no menos pior dos casos, teve de se deslocar e se alojar naqueles cortiços, onde hoje se encontra a Avenida Presidente Vargas (mas não ainda construída a Presidente Vargas), que mais tarde, final dos anos de 1930, também entrou num "bota abaixo" e mais de 500 edifícios foram demolidos, entre eles, algumas igrejas das quais hoje em dia seriam quase que tri-centenárias. E no pior dos casos, a população desalojada acabou indo construir seus barracos e morar onde é o Morro da Providência, a primeira favela da cidade.

Antes do "bota-abaixo" que nem minha avó viu.

Até meados do século XIX, aquela região que mais tarde seria a atual Avenida rio Branco, era tomada por casas e sobrados de famílias abastadas, que depois estas famílias vieram a "desbravar" e construir suas novas e modernas residências em outros cantos da cidade como Glória, Catete, Botafogo, São Cristóvão (bairro nobre durante os tempos em que ali residia a família imperial),Tijuca e mais algumas outras regiões adjacentes que se tornaram áreas nobres.
Com essa migração, famílias mais pobres começaram a ocupar estas casas desvalorizadas ou abandonadas e ali se tornou outra região de cortiços, com casas de moradias precárias, sem nenhum sistema de saneamento,com ruas escuras, imundas,fétidas, perigosas e a convivência dia e noite com vagabundos perigosos e meretrizes. Ou seja, como em qualquer outro lugar da cidade, nada era glamouroso como nas novelas e mini-séries Globais. Qualquer esquina do Centro da Cidade era a ante-sala do inferno.

Uma Paris de fachada: Na fachada dos prédios e na alma do povo.
Demolidas as casas e passado o traçado daquilo que seria o "nosso" Boulevard Saint-Germain Tupiniquim, chegou a vez de construir os edifícios.
Foi aberto um concurso de fachadas de edifícios em estilos arquitetônicos predominantemente neoclássicos, disputado por dezenas de arquitetos Brasileiros e estrangeiros, onde primeiramente foram construídas apenas as fachadas.
Sim e acredite ao pé da letra: Somente fachadas ! Só depois que vieram a ser construídos os interiores desses edifícios. Uma conclusão que se tira em cima desse fato é que a mania do Brasileiro "viver de fachada" já não é de hoje e está totalmente enraizada na alma deste povo.
Finalmente inaugurada em 1905, eis o fato mais típico e emblemático da época:
Quem poderia passear e fazer deleite da nova e pomposa avenida ?
Não encontrei nenhum registro ainda sobre cor e posição social das pessoas que poderiam fazer uso, mas a regra principal era: Trajes a rigor.
Sim, os homens tinham que usar fraques, cartolas, bengalas, as mulheres vestidos  chapéus ao estilo Francês e ainda há relatos de que nos cafés as pessoas mais cultas só conversavam em língua Francesa. Assim como era corriqueiro as pessoas se cumprimentarem (sabendo falar Francês ou não) com um "Vive la France".
Ou seja, aonde você um dia pegou muito ônibus pra ir pro subúrbio ou então alguma vez vomitou bêbado pelas calçadas da Rio Branco,em pleno carnaval, a um século atrás você do jeito que é hoje, não chegaria nem perto esquina. 


As velhas (e atuais) retóricas de "melhorar para a população".

Com a Rio Branco já popularizada e "entregue ao povo", vários daqueles "novos" edifícios, não chegaram nem aos setenta anos de construídos e foram demolidos para construção de outros edifícios mais modernos, que existem hoje. Os notáveis "espigões", de trinta e quarenta pavimentos que muitos de nós já entramos algum dia, em algum escritório, consultório,etc.
Talvez o caso mais emblemático e criminoso tenha sido a demolição do Palácio Monroe, inaugurado em 1904 para sediar O pavilhão Brasil na Exposição Universal, recebendo a medalha de ouro no Grande Prêmio Internacional de Arquitetura, poucos anos depois sediar outras conferências internacionais e artísticas, e mais tarde veio a ser por diversos anos, a casa do Senado Brasileiro.
Em 1976, com apoio do Jornal O Globo e o Arquiteto Lúcio Costa, sob alegação de que o edifício "atrapalhava o trânsito" e sob aval do Presidente Ernesto Geisel , de que ele "ofuscava a visão para o monumento dos pracinhas mortos na segunda grande guerra mundial, o palácio foi demolido e construído alí a atual Praça Mahatma Gandhi, que hoje apenas abriga um chafariz, moradores de rua e é um local cujo seu espaço "super atrativo e frequentável", serve apenas como mais um local muito "útil" sim, à população. Ser assaltado, logicamente.
Não só o Palácio Monroe foi demolido , como diversos outros edifícios maravilhosos também vieram abaixo.
Neste caso já fica notório e evidente que aqui não se tem nenhum critério entre separar o novo do velho e muito menos somos de um povo que valoriza suas memórias.

Mudanças que mudaram porra nenhuma.

Em dias mais recentes, já não mais de costume andar pela rio Branco, andei por algumas centenas de metros nessa avenida e me "deu um estalo na ideia", que me levou a fazer esse post: Reparei que nos únicos trechos onde ainda são permitidos transitar carros de passeio e ônibus, todos os ônibus tinham como destino, em seus letreiros, somente bairros da zona sul.

- Conclusão pessoal número um:

Logicamente e somente por conta de Copa do Mundo e Olimpíadas (não foi pro bem da população), acabaram com uma das vias mais "arteriais" do centro da Cidade, onde passavam dezenas de linhas de ônibus para zonas norte, sul, oeste e regiões de Niterói e dar lugar a um "trenzinho turístico" que só circula pelos sub-bairros do Centro. E de vez em quando o sistema desses VLT dá alguma pane.

- Conclusão pessoal número dois e conclusiva (com redundância mesmo):

Como sempre, e centenariamente, a desculpa do "progresso e legado que tais eventos vão trazer", os fatos históricos e recentes comprovam mais uma vez que essas obras de mudança que não mudam nada.
E como sempre, desde os tempos em que o Real era Réis, é sempre o trabalhador operário e o pobre que se desloca para outro lugar e muda sua rotina por conta de outras  novas empreitadas que sempre irão surgir e servirão apenas para grandes empreiteiros dessas obras e chefes de estados gastarem milhões na França verdadeiramente Européia, e daí sim, eles podem dizer ao povo:
"Agora a França Tupiniquim pode ficar pra vocês. Não precisamos mais dela."

A Avenida Rio Branco é o próprio retrato do nosso povo. Inclusive no carnaval.




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